Editorial

Déficit de Concursados Pode Estar na Raiz da Fragilidade Tributária de Pernambuco

A Secretaria da Fazenda do Estado de Pernambuco (SEFAZ-PE) tem sido palco de uma crise administrativa e jurídica que expõe fragilidades na gestão pública e coloca em xeque o cumprimento dos princípios constitucionais que regem o acesso a cargos públicos. Desde 2022, quando foi homologado um concurso público para cargos administrativos e de auditor fiscal, tensões têm surgido entre os aprovados, o governo do estado e o Tribunal de Contas de Pernambuco (TCE-PE), evidenciando a complexidade de conciliar eficiência administrativa com legalidade.

A situação começou a se intensificar em 2023, quando o TCE-PE iniciou uma Auditoria Especial para investigar contratos terceirizados na SEFAZ-PE. A auditoria decorreu de uma medida cautelar que suspendeu os contratos de terceirizados na área administrativa e proibiu a renovação desses vínculos, com o objetivo de permitir que os aprovados no concurso fossem nomeados. O relatório técnico apontou que as funções desempenhadas pelos terceirizados eram equivalentes às atribuições previstas nos cargos efetivos ofertados no concurso, uma prática que contraria o artigo 37 da Constituição Federal, ao violar o princípio do concurso público. Apesar disso, o tribunal demonstrou hesitação em impor mudanças mais drásticas, ponderando sobre os possíveis impactos na continuidade de serviços essenciais, como a arrecadação tributária.

Enquanto isso, os aprovados no concurso público enfrentam uma crescente frustração diante da falta de nomeações. Em fevereiro de 2024, o deputado Henrique Queiroz Filho apresentou à Assembleia Legislativa de Pernambuco (ALEPE) a Indicação nº 5448/2024, solicitando à governadora do estado que priorizasse a nomeação dos aprovados, destacando a grave carência de pessoal na SEFAZ-PE. Dados apresentados por membros da própria secretaria indicavam que apenas 27% da força de trabalho necessária estava em atividade e que um número significativo de servidores estava apto para aposentadoria, agravando ainda mais a escassez de profissionais. A iniciativa do deputado reacendeu as esperanças dos concurseiros, mas foi rapidamente ofuscada por novos desdobramentos.

Em maio de 2024, a SEFAZ-PE optou por prorrogar contratos terceirizados com diversas empresas, movimentando cifras significativas para a continuidade dos serviços. A decisão foi recebida como um revés pelos candidatos aprovados e levantou questionamentos sobre a priorização de recursos e a gestão administrativa da secretaria. A justificativa oficial para a medida foi a necessidade de evitar a descontinuidade de serviços, especialmente em áreas críticas como a arrecadação de ICMS. No entanto, a postura da SEFAZ-PE alimentou críticas de sindicatos e especialistas, que apontaram para a falta de compromisso em solucionar o déficit estrutural por meio da efetivação de novos servidores.

Esse déficit é uma das questões mais alarmantes para a secretaria. Segundo o Sindicato dos Auditores Fiscais de Pernambuco, apenas 634 auditores fiscais permanecem ativos no estado, sendo que 282 estão em abono de permanência e podem se aposentar a qualquer momento. Essa realidade expõe uma fragilidade crítica na administração tributária de Pernambuco, especialmente em um contexto de reforma tributária nacional, que exige maior eficiência e modernização. Enquanto outros estados têm reforçado seus quadros de auditores, Pernambuco continua preso a um modelo de gestão que parece priorizar soluções temporárias e paliativas, em detrimento de uma reestruturação consistente e constitucional.

As ações recentes do TCE-PE também evidenciam um cenário de contradições. Em novembro de 2023, o tribunal indeferiu uma medida cautelar que pedia a suspensão dos contratos terceirizados, alegando que uma decisão nesse sentido poderia comprometer serviços essenciais. Ao mesmo tempo, a própria corte havia indicado, em relatórios anteriores, que as funções desempenhadas pelos terceirizados poderiam ser perfeitamente realizadas por concursados. Essa ambivalência gera questionamentos sobre o papel do tribunal como órgão fiscalizador e sua capacidade de zelar pelo respeito aos princípios constitucionais.

O impasse entre a legalidade e a eficiência administrativa reflete um problema estrutural na gestão pública. A falta de planejamento para renovar o quadro de servidores efetivos da SEFAZ-PE é um fator determinante para a crise atual. Nos últimos 20 anos, apenas 70 auditores fiscais foram nomeados no estado, o que representa uma política insuficiente para atender às demandas de um setor tão estratégico quanto o tributário. Além disso, o envelhecimento do quadro atual compromete não apenas a continuidade dos serviços, mas também a transição de conhecimento e a capacidade de modernizar a gestão fiscal.

A situação da SEFAZ-PE exemplifica os desafios enfrentados pela administração pública brasileira ao lidar com limitações orçamentárias, a pressão por eficiência e a necessidade de cumprir a legislação. A continuidade de contratos terceirizados em detrimento da nomeação de concursados reforça a percepção de que as decisões estão sendo tomadas com base em interesses imediatos, sem considerar os impactos de longo prazo. A solução para essa crise exige uma articulação entre governo, TCE-PE e sociedade civil, com o objetivo de priorizar a nomeação de novos servidores, modernizar a gestão e garantir que a administração pública opere dentro dos limites constitucionais.

Enquanto isso, o futuro da SEFAZ-PE permanece incerto. A pressão dos concurseiros, do sindicato e de parlamentares é um sinal de que a sociedade não aceitará soluções paliativas indefinidamente. A expectativa é que o governo estadual tome medidas concretas para corrigir as falhas de gestão e assegurar que a SEFAZ-PE esteja preparada para enfrentar os desafios tributários e administrativos dos próximos anos. Sem uma ação decisiva, Pernambuco corre o risco de comprometer não apenas a eficiência de sua administração fiscal, mas também a credibilidade de suas instituições.

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